Novidade

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Manuscrito de um contemporâneo de Jesus

Tradução

Sentado sob estas oliveiras, avisto os campos pelos quais andou a Boa Nova (1). Eu não sabia que ele estava por aqui, tão perto, quando vim em Setembro visitar meus parentes por ocasião da grande Festa (2). Reconheço que escutei alguma coisa. Mas havia tanta novidade naqueles dias. Falava-se de uma iminente luta armada contra o Império. Havia uma discussão cada vez mais precisa e profunda sobre a Lei e seu cumprimento (3). Sim, estavam por aqui também muitas mulheres fenícias, que exalavam seus perfumes de [              ] (4) Certamente entenderás a razão de eu não notá-lo. Agora, escrevo porque sei que milhares (5) errarão como eu, tanto dos nossos quanto dos povos (6). E espero que outros o conheçam. Eu mesmo, hoje, tenho em mãos algo que seus discípulos escreveram e lamento não ter presenciado tanta coisa, pois a vida [                 ] (7)


Notas

1. tò euangélion - O texto original está escrito em Uncial, não havendo diferenciação entre maiúsculas e minúsculas. Contudo, a construção me leva inevitavelmente a entender que há uma personificação do termo. Por isso, apresento maiúsculas na tradução.

2. heorté - Muito provavelmente, a Páscoa. O autor deve provir de uma colônia da diáspora. Mas ainda mantém laços estreitos com Jerusalém.

3. perì toû nómou kaì tês teléseos autoû - A expressão retrata certamente as discussões no meio farisaico, que culminariam, posteriormente, no desenvolvimento do Talmud da Judeia.

4. Há aqui uma lacuna de cinco letras, com o término em -, o que me faz crer que se trataria de um genitivo, provavelmente o nome de uma flor.

5. mýrioi - literalmente, como número definido, dez mil (10000). Mas é preferível admitir que o autor pretende o sentido mais incerto do termo, que indica algo como "incontáveis".

6. tôn ethnôn - isto é, dos gentios.

7. Depois da expressão bíos gàr a página não está em estado de conservação suficiente para a compreensão do restante do texto.

Comentário

Mesmo fragmentário, o texto guarda um testemunho interessantíssimo e rico. O autor, provavelmente é um judeu ainda não convertido ao cristianismo incipiente, mas prestes a dar esse passo. Isso é indicado tanto pelo conteúdo da exposição quanto pela ausência de vocabulário marcadamente comum nos escritos cristãos dos séculos I e II. Um dado importante e, eu diria, excepcional é o fato de que o autor revela uma incomum consciência de que seu texto ultrapassará sua própria época. Ele não tem um público leitor específico. O encerramento abrupto do texto, devido à má conservação do papiro, infelizmente, nos impede tecer comentários mais precisos sem extrapolar o que possibilitam as evidências.

Sobre o documento

O papiro faz parte de um conjunto de 7 folios em estado de conservação razoável (considerada a datação aproximada, século I d.C., se é crível o exposto pelo autor - e não vejo evidências que provem o contrário). Recebe o nome de Papirus Cesarius 0482. Encontra-se em Belo Horizonte, em minha coleção pessoal de manuscritos imaginários e outras antiguidades inexistentes.

sábado, 24 de setembro de 2011

Hay que endurecer, pero sin perder la Escritura (Série Opiniões Avulsas)

Nestes dias, uma postagem do Marcello Comuna (no Mulheres Sábias do Blog da Rô) com o título "Um chamado ao inconformismo" provocou uma discussão bem intensa, que me fez recordar pensamentos, expectativas, leituras e inquietações de minha adolescência. Propus-me a escrever aqui um texto sobre o mesmo assunto. Deveria ser prolixo e eloquente pela importância do tema, mas o tempo me comprime e obriga a ser um pouco tosco.
A Igreja precisa preocupar-se com as questões sociais urgentes da sociedade, pois isso é necessário para sermos coerentes com o Livro que dizemos seguir. Os profetas denunciavam as fraudes de seu tempo. Nós nos calamos diante das "fraudes" que favorecem a infeliz, injusta e perversa desigualdade social. Em vez disso, continuamos batendo palmas para os ricos que se enriquecem por meio do empobrecimento de muitos, sendo injustos nos salários que pagam e sem se preocupar com a qualidade de vida daqueles que os servem nos mais diversos momentos. Não se preocupam pois estão cegos e não há quem os faça ver. Não há quem os interpele como Jesus ao jovem rico. Não há quem denuncie a estupidez desse jogo consumista que consome, antes que tudo, nossa humanidade. E muitos deles estão nas nossas igrejas.
Lembro de um conhecido, cuja empresa tentou fazer negócio com uma empresa japonesa e recebeu a seguinte resposta: "Nossa empresa não faz negócio com empresa brasileira, pois vocês exploram os funcionários. Veja o salário do porteiro de vocês. É mais de vinte vezes menor que o dos diretores. Isso não é humano." Que soco no estômago de um país que se acha cristão, no qual todos se voltam contra as palavras de Cristo. Por vezes, torcem essas palavras, as descontextualizam, pasteurizam e criam uma coisa híbrida (inclusive no sentido de que não produz nova vida) para oferecer aos novos cristãos, que não suportam críticas ao deus-dinheiro, mas que o servem em seus altares de exposição. Sim, de exposição, afinal, mais que ter, o que se busca é ter mais que o outro e fazer com que ele perceba isso.
Que porcaria! É isso que fazemos quando lemos trechos dos Evangelhos que incomodam nosso modo mediocre de vida e, numa hermenêutica mirabolante, dizemos "Jesus não critica as riquezas e os ricos, mas o amor exagerado ao dinheiro e uso errado dele. Você pode ser rico e servir a Deus". Assim, não tocamos a ferida e evitamos abalar a participação (e contribuição) dos afortunados da Igreja. (Não estou sendo legalista e condenando o dinheiro de modo definitivo e sem compaixão. É possível que alguém tenha muito dinheiro sem ser servo do dinheiro. Mas é coisa rara! Muito rara! E se não fosse servo do dinheiro, não procuraria sempre mais, e beneficiaria a todos, não somente aos seus! Não pagaria o menor preço possível e legal pelo serviço dos outros, mas seria justo e benevolente. Não escravizaria o outro por sua falta, mas compartilharia sua abundância. E por aí vai! Talvez John Wesley seja um desses raros exemplos de ricos que serviam ao Deus certo.)
No mais, falta dizer que a Igreja precisa preocupar-se com o contexto social de sua audiência também pelo fato de que a paz é necessária para que o ser humano seja de fato humano, com capacidade de ser gente para, assim, poder compreender a Mensagem do Evangelho. Duas ressalvas: 1) Estou falando de paz como suficiência de condições para a existência com dignidade, como entendo o termo Shalom na Bíblia Hebraica (e também o uso de Eirene pelos autores judeus que escreveram em grego, incluidos aí os do Novo Testamento). 2) É óbvio que antes que tudo, o Espírito é o grande responsável por toda a compreensão das coisas espirituais. 
Dito isso e feitas as ressalvas, termino com uma ilustração. O Shabat, isto é, o sábado servia também para isso, para que as pessoas tivessem um intervalo para ser gente, para conversar, aprender de Deus, divertir-se etc. Sem o sábado, o judaísmo poderia ter perdido a riqueza da Torah, pois todos estariam perdidos em seus afazeres. Sem haver Shabat Shalom ("Descanso de Paz" - e estou usando a expressão por conveniência, em um sentido totalmente amplo e nada judaizante!), isto é, sem que haja condições de se existir plenamente, também o Evangelho deixa de ser entendido e vivenciado de modo satisfatório. 
Mas é claro, essa paz é extirpada tanto pela falta das condições de suficiência quanto pelo excesso de busca por condições melhores (que as dos outros). Os que se perdem no Shopping perdem também sua inteireza humana. Os que se perdem nos seus estômagos vazios também perdem sua inteireza humana.
Já não penso como na adolescência, mas de uma coisa eu continuo a saber: O Eterno não se agrada com as injustiças sociais. A Igreja deve agir de acordo com a vontade do Eterno. Logo, a Igreja deve ser agente opositora à opressão social e ao empobrecimento (espiritual e material). 
Mas enquanto isso, na gospelândia: "Conta, irmã, quantos carros a senhora tem?" "Conta, irmão, de quantos metros é a mansão que seu deus (só pode ser o deus-dinheiro!) te deu?"
Enfim, o Nazareno e suas palavras continuariam sem fazer sucesso nos dias de hoje, nas religiões de hoje, nas igrejas de hoje...
Hay que endurecer, pero sin perder la Escritura. Essa frase me ocorreu na discussão a que me referi no início. O termo final veio mais pela sonoridade necessária para o plágio que pela reflexão. Mas ela - a frase - acaba refletindo o que entendo mesmo: podemos e devemos aproveitar algo produzido por aqueles que desmascararam esse sistema perverso que nos envolve. Mas a nossa reação deve ser, ainda que também de oposição ferrenha, diferente, pois nosso parâmetro maior é a Escritura. Ou seja, não nos alienamos, mas decidimos agir com um Guia Certo e não pela força a todo preço. 
Tá entendível?
P.S. Não digo isso por ser petista (não o sou), nem por ter gostado de algumas observações da Teologia da Libertação (De algumas, viu?), mas por querer ser minimamente coerente com minha vocação.
P.S.' É claro que a Igreja não está aqui para servir a um público específico. Os ricos também precisam da Igreja. E como precisam! Mas não de uma igreja que lhes diga meias verdades que massageiam seus gordos egos.
P.S.'' Entendo as críticas dos vermelhofóbicos quando são dirigidas aos verdadeiros erros das tentativas de realização do comunismo, mas entristece-me perceber que alguns abusam das críticas e fecham os olhos para pontos valorosos do pensamento de Marx por exemplo, ou associam tudo o que não é "direita" a certos projetos controversos do atual Governo. Nossa mente não precisa ser tão dicotômica. Conheci um ex-general do exército brasileiro do período da ditadura que agora é pastor... Um dia vou escrever sobre essa tragédia.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Bíblia é a palavra de Deus ou contém a palavra de Deus? Censura 18 anos (de cristianismo)


 Torah em Pergaminho, na Biblioteca Nacional, Buenos Aires

Aviso: Se você não está disposto/a a ler com atenção, não leia. Se você é muito jovem, não leia sozinho/a. Se você se inquieta pela mesma pergunta, leia. Se já tem a resposta e nem se questiona mais, não leia. Se não consegue ler um texto minimamente complexo (ou seja, se só lê tabloides e literatura de massa, e tem os apresentadores da TV como importantes pensadores), não leia.

Algumas pessoas andaram dizendo que eu não sou tão ortodoxo quanto sugere minha adesão religiosa (Sou membro ativo em uma comunidade protestante ortodoxa, conservadora, litúrgica e confessional. E me sinto muito bem acolhido ali.). Por isso, resolvi responder essa pergunta. Muitos a usam justamente para isto: para marcar o limite entre os conservadores e os liberais. É uma frase até bonita. O defensor da verdade diz “A Bíblia não contém a palavra de Deus. Ela é a palavra de Deus”, e todos ficam satisfeitos com essa confissão de sua fé e conservadorismo. Não mais suspeitaremos de suas tendências liberalizantes. Eu poderia fazer isso. Poderia até colocar essa frase estampada aqui no blog. Confesso que pensei em fazê-lo. Mas minha mente me fez questionar a pergunta, o que me impede de respondê-la de forma tranquila.

Sim, eu acho que a pergunta está errada, pois é tendenciosa ao apontar somente a duas opções, as quais, segundo penso, não refletem a complexidade da verdadeira questão: a inspiração e a transcendência/imanência do espiritual. O conservador que se vale dessas palavras está a dividir a cristandade em dois grupos: os que aceitam que toda a Bíblia é a palavra de Deus (adeptos o mais das vezes ao método histórico-gramatical) e os que, motivados pelo deslumbrante mundo da crítica textual (e do método histórico-crítico) a recortam e encontram partes que não seriam e outras que seriam a palavra de Deus. O problema é que essa divisão pode não ser suficiente. Eu, por exemplo, creio na inspiração de toda a Bíblia. Sim, toda ela, desde Bereshit barah Elohim... até ...toû kuríou Iesoû metá pánton [amén] (o que indica que restrinjo a inspiração ao texto nas línguas originais – fato que também pode ser questionado, claro). Contudo, não afirmo que a Bíblia em sua materialidade seja a palavra de Deus.

Calma, não estou dizendo que ela concorra com outras coisas que seriam também “palavra de Deus” (não concordo com a Igreja Católica Romana que reconhece a Santa Tradição e o Santo Magistério como palavra de Deus). O que digo é que a materialidade textual da Bíblia não pode ser diretamente igualada à “palavra de Deus”. Se assim o fizermos, reconheceremos uma variação de estilos estranha na “palavra de Deus”, bem como formas textuais pobres e erros linguísticos (tudo bem, o sociolinguista não diria “erros”, mas variantes socialmente menos valorizadas - por exemplo, o uso de certos “aoristos 3” bem peculiares do NT grego e da literatura judaico-helenística). Além do mais, se reconhecermos que o texto concreto da Bíblia é a palavra de Deus, teremos que nos enlutar, por reconhecermos que pequenas partes da palavra de Deus foram mutiladas, alteradas e perdidas no processo de transmissão manuscrita (Virão os apologetas dizer que as perdas são mínimas, sem nunca ter lido um manuscrito, mas somente um manual tendencioso. A eles direi: não há perda mínima quando (e se) se trata da Palavra de Deus).

Por isso, penso que a Bíblia não é a palavra de Deus, mas sim que a Bíblia (toda ela e somente ela) “comunica” a palavra de Deus. Mas penso no “comunicar” além da mera transmissão de sentido, mas também no ato de “comunhão”. Ambiguo? Recorro a analogias. Assim como o Logos (Deus-Filho) se encarnou, tornando-se forma humana, a “Palavra de Deus” se enletrou, tornando-se forma textual. Deus-Filho se humana, enquanto a Palavra de Deus se textualiza. Jesus, mesmo sendo Deus, não deixa de ser homem, em carne. A Palavra, mesmo sendo Palavra de Deus, não deixa de ser Bíblia, um conjunto de livros com aspectos estilísticos e todas as suas variações peculiares, contribuições de seus múltiplos autores humanos. "Creio nas Santas Escrituras, as quais foram concebidas pelo Espírito Santo, nasceram de diversos autores, foram copiadas, transmitidas..." (desculpem-me o respeitoso plágio auto-explicativo).

Qual a forma de relacionamento entre a palavra de Deus e a Bíblia? Se não digo que uma é a outra, que verbo usarei? Não sei. A forma mais próxima que consegui para expressar o que penso, de modo a fugir da ambiguidade do termo “comunicar” que usei há pouco, seria a seguinte comparação: Somos alma e somos cérebro. O cérebro comanda o corpo. Mas também dizemos que a alma comanda o corpo. Afinal, qual a relação entre cérebro e alma? A alma está no cérebro? Como? A alma, podemos dizer, se emplasta no cérebro e, por ele, se manifesta no corpo. Talvez, poderíamos dizer que, semelhantemente, a Palavra de Deus se emplasta na Bíblia, em toda ela, para manifestar-se no corpo – a Igreja.

Assim, entendemos que alguém pode ler a Bíblia sem ligar a mínima para a Palavra de Deus que nela se emplasta, como um neurologista pode destroçar um cérebro sem dar-se conta da existência de uma alma, e, para completar, como um historiador pode propor algo sobre o Jesus histórico sem dar-se conta da realidade do Deus-Filho.

Um professor meu dizia sorridente que a poesia não existe no livro, na estante, mas somente “no-qui-qui-ela-é-lida'”. Dizia para nos motivar a ler poesia. Ajudado pela ideia, hoje penso que ler a Bíblia não é ler a palavra de Deus. Porque a palavra de Deus só existe “no-qui-qui-a-Bíblia-é-lida-com-fé". Sem a fé – presente de Deus -, a Bíblia será lida como um livro antigo e terá o efeito de um livro antigo. Com a fé e o auxílio do Espírito Santo, percebe-se a Palavra de Deus que se enletra na Bíblia e, por isso, o efeito será especial, alcançando o espírito.

- A Bíblia é a palavra de Deus ou contém a palavra de Deus?
- Precisamos conversar... Na minha opinião, a Bíblia, na sua integralidade inspirada por Deus, realiza a Palavra de Deus no mundo, pelo intermédio da Igreja que a lê com fé. NÃO OBSTANTE, continuarei respondendo que sim, a Bíblia É a palavra de Deus, mas o farei por catacrese, não por exatidão no uso próprio das palavras. E isso o farei para evitar que meus companheiros de caminhada se escandalizem (e para evitar que não me entendam e pensem mal de mim).

Sou conservador ou liberal? 
Na minha mente, sou somente cristão, ainda que o pior de todos. Na mente de Deus, sou um filho, graças a Cristo, por obra do Espírito Santo.

Abraço,

Cesar M. R.

Sola Scriptura, eu creio nisso!



domingo, 18 de setembro de 2011

prece


Prece
Cesar M. R.


Por que estás calada?
Por que já não cantas?
Por que já não choras?

Sei que te lancei
visões difíceis de suportar
palavras duras de ouvir
mas, por que não reclamas?

Não farás como outrora,
quando te revoltavas
e, postada para batalha,
blandias palavra afiada?

Farei longo silêncio,
desses de vários versos,
e escutarei.








Espera.
Há sim um som
tímido e sussurrado.
Eu percebo.

Sim, faça mesmo isso!
Ele que habita contigo
neste templo de carne
decerto te escutará

Cá fora, alma,
não te preocupes,
fecharei os olhos
não terei ouvidos

Não tenha pressa.
Aguardo tranquilo
o fim de tua prece.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A graça como subsídio?


Belo Horizonte, vista do mirante do Pq das Mangabeiras


- Opa! Tudo bom, Cesar? Você viu como está o mercado imobiliário aqui de BH?

- Vi sim, Seu Moço. Tá de dar medo.

- Pois é. Minha filha, aquela que está pra casar, está tentando comprar um apartamento faz dois anos. Quando ela vai ver, falta um pouco de dinheiro pra entrada. Daí, ela resolve juntar mais uns quatro meses. Quando tem o dinheiro, já não dá mais! O preço subiu e precisa de mais pra entrada!

- É assim mesmo.

- Falei com ela pra olhar o negócio do subsídio que o governo dá pra imóvel barato.

- Subsídio?

- É. Se for imóvel novo o governo dá até uns vinte mil reais. A pessoa se esforça. Junta um bocado. Não vai conseguir sozinha. Daí, o governo completa.

- É assim, é?

- Pois é... Mas minha filha falou que vai olhar isso lá com o pessoal de uma construtora.

- E ela tá bem?

- A construtora?

- Não, Seu Moço, sua filha!

- Ah, tá sim. Acho que tá. Deve tá, né? Pelo menos não reclamou nada. Mas eu liguei foi pra te contar outra coisa. Não tem nada a ver com imóveis. É que vou montar um blog pra mim também.

- Sério? Pensa bem, que isso toma tempo.

- Ah, rapaz, eu vi que você já tem quase vinte seguidores. E você só escreve essas lorotas suas aí.

- E o que você vai escrever? Seu blog vai ser sobre o quê?

- Sobre pensamentos, reflexões... Por exemplo, pensei falar sobre a Graça de Deus como subsídio.

 - Como assim?

- É a mesma coisa. A gente tenta cumprir a Lei o máximo que dá. A gente tá quase alcançando a salvação, mas falta um pouco. Daí, Deus dá o subsídio da Graça e resolve o assunto.

- Pensa bem, Seu Moço. Acho melhor você estudar melhor essa analogia aí. Até entendo que é mais ou menos isso que andam pregando, mas a coisa não é bem assim.

- Como não? Faz uma analogia então. Mas com mercado imobiliário, não com comida.

- Bom... Sei lá, tinha que pensar mais. Mas acho melhor... Você é um pé rapado, sujo, piolhento, catarrendo, barbudo e sugigado que não tem nem dinheiro suficiente pra comer, muito menos pra juntar algum pra dar de entrada. Deus vê isso e te dá uma casa prontinha pra morar. A transferência da Escritura da casa para você é a Graça. A casa é Cristo. Você mora lá e tem a oportunidade de tomar banho direito, cortar o cabelo, fazer a barba e mudar seu modo de vida. Por isso, vive mais direitinho, ainda que se suje um pouco às vezes. Mas volta e toma banho...

 - Ah... Vou adiar essa ideia de blog. Se um chato como você aparecer lá pra fazer esses comentários... Ah, e você? Agora fica pondo texto de católicos e falando de coisa que você disse que num ia...



tu... tu... tu... tu...



- Alô!

- Você desligou na minha cara?

- Não, Seu Moço, a ligação caiu.

- E caiu justo na hora que eu estava te falando umas verdades?

- Uai, Seu Moço, cai na hora que eu quero. Sou eu que estou escrevendo o diálogo.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Hino do Cristo Salvador, de Clemente de Alexandria (tradução minha)


Oh rei dos santos,
palavra tudo-subjuga
do pai altíssimo,
líder da sabedoria,
amparo dos sofrimentos
etern'alegre'mente,
Da raça mortal
Salvador Jesus
Pastor, agricultor
lavrador, passagem,
asa celestial
de um passaredo sacrossanto.
Pescador dos que têm voz articulada
que são salvos
de um mar de maldade,
peixes puros
de uma onda hostil
pescando para doce vida
ovelhas racionais
Oh pastor santo,
toma o comando, oh rei,
dos filhos intocados
pegadas de Cristo
caminho celestial


Nesse belo hino atribuído a Clemente de Alexandria (fim do século II ao começo do III), encontramos a figura do peixe sendo associada não a Cristo, mas aos cristãos. Cristo, por sua vez, é aquele que os pesca "de um mar hostil" para uma "doce vida". O mar, então, como no texto que lemos de Agostinho na última postagem, aparece como o ambiente perverso do mundo presente. Esse talvez seja o grande ponto de continuidade entre a leitura de Clemente e a do bispo de Hipona, que nos permite construir uma leitura composta a partir desses dois testemunhos: "Cristo esteve como mais um peixe neste mar hostil. Ele resistiu, esteve sem pecado e, tendo morrido e ressuscitado, agora, ele pesca os outros peixes, levando-os para a doce vida da salvação eterna." Ademais, fica bem explicado, ainda que quase simplesmente por termos justapostos, o trabalho de Cristo na vida desses cristãos que ele pesca.

P.S. O texto, cheio de vocativos, parece meio desconexo. Talvez me falte potência poética para traduzi-lo de modo satisfatório. Enfim, foi o melhor que pude fazer a partir do texto grego, que me pareceu também meio entrecortado. Não que esteja fragmentário (parece bem completo), mas um tanto econômico nas palavras, o que não deixa de ser característica desse tipo de composição.
P.S.' Que me perdoem os católico-romanofóbicos, mas meu interesse pela patrística vem se incrementando.