Relevo de Wilpert (compasso, peixes e âncora)
A história do peixe como símbolo cristão é permeada de incertezas. Será que os cristãos começaram a usá-lo como símbolo por causa dos milagres de Jesus (multiplicação e pesca maravilhosa)? É possível, mas não há consenso. Também não há acordo quando se tenta discernir se o símbolo provém do famoso acróstico cristão (Iesoús Khristós Theoû Yiós Sotér, que em português seria algo como Jesus, Cristo, de Deus Filho, Salvador, sendo que as iniciais formam ikhthýs, que é justamente "peixe" em grego), ou se este provém do símbolo. Na verdade, não se pode afirmar sequer quando os fiéis se deram conta de que o termo poderia conter as iniciais de palavas que resumem tão bem a doutrina cristã.
Clemente de Alexandria (séc. II d.C.) menciona o peixe entre as figuras que os cristãos poderiam usar em seus sinetes (O pedagogo III, 11). Nessa mesma época, coincidentemente ou não, a representação do golfinho (figura fortemente relacionada à salvação no meio greco-romano, mas também ligada ao deus romano Netuno) desaparece de entre os cristãos e cede lugar ao peixe. Resta observar que este pode ser símbolo do próprio Cristo ou do cristão recém batizado.
(Conferir: CROSS, F. L. The Oxford Dictionary of Christian Church. London: Oxford, 1974. ; TRISTAN, Frédérick. Les premières images chrétiennes: du symbole à l'icône. Paris: Fayard, 1996.)
(Conferir: CROSS, F. L. The Oxford Dictionary of Christian Church. London: Oxford, 1974. ; TRISTAN, Frédérick. Les premières images chrétiennes: du symbole à l'icône. Paris: Fayard, 1996.)
Mosaico cristão do século IV
Entre os pais da Igreja, um interessante testemunho que encontro é o de Agostinho de Hipona. A seguir, apresento o trecho original e uma tradução minha (Que um eventual leitor latinista perdoe o caráter amador da mesma. Faz tempo que não me dedico ao latim).
Horum autem graecorum quinque verborum, quae sunt, Iesoús Khristós Theoû Yiós Sotér quod est latine Iesus Christus Dei Filius Salvator, si primas litteras iungas, erit ikhthýs id est Piscis, in quo nomine mystice intellegitur Christus, eo quod in huius mortalitatis abysso velut in aquarum profunditate vivus, hoc est sine peccato, esse potuerit.
(Civitas Dei I, XVIII, XXIII)
Mas destas cinco palavras gregas, as quais são Iesoús Khristós Theoû Yiós Sotér, o que é em latim Iesus Christus Dei Filius Salvator, se as primeiras letras reunes, será ikhthýs, isto é, “peixe”, termo com que misticamente é entendido “Cristo”, uma vez que no abismo desta condição mortal, como na profundeza das águas, pôde estar vivo, isto é, sem pecado.
(Cidade de Deus 1, XVIII, 23)
Pois bem, encontrei por aí alguns acrósticos trazendo Iesoús Khristós Theós Yiós Sotér, o que daria Jesus Cristo, Deus Filho, Salvador. Mas não encontrei testemunho antigo que respaldasse tal possibilidade (tão correta teologicamente quanto a outra). Agostinho, por sua vez, é claro ao usar o genitivo tanto no grego (Theoû) quanto em sua tradução ao latim (Dei). Outro ponto interessante no texto do bispo de Hipona é o fato de que ele associa a imagem do peixe ao próprio Cristo. Em outros testemunhos, o peixe pode ser associado não ao Cristo em si, mas a seus seguidores. Uma consequência direta, talvez, da referência que Jesus faz de Pedro como pescador de homens.
Um abraço,
Cesar
P.S. Tanto no texto original de Agostinho quanto no meu, as palavras gregas estavam originalmente no alfabeto grego. Tive que transliterá-las por problemas de formatação no blogger.
P.S.' Texto adaptado de um material que eu vinha preparando para um ensino menos traumático de grego antigo.
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