Tese mostra correlação entre casos de morte por câncer e
localização das antenas de telefonia celular
Ana Rita Araújo
Diogo Domingues
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Adilza Dode só usa celular em casos excepcionais: radiações
estão associadas a vários tipos de neoplasia |
Para evitar exposição prolongada às radiações
eletromagnéticas, a engenheira Adilza Condessa Dode usa celular apenas em casos
de extrema necessidade. A precaução decorre de estudos que desenvolve há cerca
de uma década, com o intuito de descobrir os efeitos físicos, químicos e
biológicos da radiofrequência nos seres vivos. Em tese defendida na UFMG, no
final de março, Adilza Dode confirma a hipótese de que há correlação entre os
casos de óbito por neoplasia e a localização de antenas de telefonia celular, em
Belo Horizonte.
Por meio de geoprocessamento, a pesquisadora constata que a região Centro-Sul
da capital mineira possui a maior concentração de antenas e a maior taxa de
incidência acumulada de mortes por câncer. A menor taxa está na região do
Barreiro, que também abriga o menor número de antenas instaladas.
“A poluição causada pelas radiações eletromagnéticas é o maior problema
ambiental do século 21”, afirma a engenheira, que, em sua tese, recomenda a
adoção, pelo governo brasileiro, do chamado princípio da precaução, aprovado na
Conferência Rio-92. Segundo tal premissa, enquanto não houver certeza científica
da inexistência de riscos, o lançamento de novo produto ou tecnologia deve ser
acompanhado de medidas capazes de prever e evitar possíveis danos à saúde e ao
meio ambiente.
Componente da banca que avaliou a tese de Adilza Dode, o professor Álvaro
Augusto Almeida de Salles, do Departamento de Engenharia Elétrica da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destacou que a pesquisa
confirma resultados de estudos realizados na Alemanha e em Israel. “Com esse
trabalho, Belo Horizonte coloca-se em uma importante posição na área”,
comentou.
A pesquisa
Preocupada com a quase inexistência de dados sobre os efeitos de uma
tecnologia que rapidamente se popularizou, Adilza Condessa Dode defendeu, em
2003, dissertação de mestrado orientada pela professora Mônica Maria Diniz Leão,
do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG, em que provou a
existência de sobreposição de radiação em áreas onde há antenas instaladas, o
que causa contaminação eletromagnética.
Para o doutorado, trabalhou com a hipótese de relação entre mortes por câncer
e a proximidade residencial com antenas – estações radiobase (ERB) – de
telefonia celular. Adilza Dode realizou pesquisa em bancos de dados
preexistentes, cruzando informações sobre óbitos, em Belo Horizonte, de 1996 a
2006, com informações populacionais fornecidas pelo IBGE.
Entre os 22.543 casos de morte por câncer, no período de 1996 a 2006, a
pesquisadora selecionou 4.924, cujos tipos – próstata, mama, pulmão, rins,
fígado, por exemplo – são reconhecidos na literatura científica como
relacionados à radiação eletromagnética. Para processar essas informações, ela
contou com a co-orientação da professora Waleska Teixeira Caiaffa, uma das
coordenadoras do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte e do Grupo de
Pesquisas em Epidemiologia da Faculdade de Medicina da UFMG.
Na fase seguinte do estudo, Adilza Dode elaborou uma metodologia inédita,
utilizando o geoprocessamento da cidade, para descobrir a que distância das
antenas moravam as 4.924 pessoas que morreram no período. “A até 500 metros de
distância das antenas, encontrei 81,37% dos casos de óbitos por neoplasias”,
conta a pesquisadora, professora do Centro Universitário Izabela Hendrix e da
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.
Ela comenta que, nos últimos anos, houve crescimento de casos de câncer de
encéfalo no país, como atestam dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), e
aumento no uso da telefonia celular. “Não posso afirmar que esta é a causa dos
óbitos; mas qual é o fator novo nesse período? O fator ambiental que veio a
público é a telefonia celular, não há outro”, analisa. Segundo ela, a literatura
científica sugere a quem tem câncer e faz quimioterapia que evite exposição a
campos eletromagnéticos.
Níveis seguros?
Há níveis seguros de radiação para a saúde humana? “Esse é exatamente o
problema: até agora, ninguém sabe quais os limites de uso inócuos à saúde”,
explica Adilza Dode, ao destacar que os padrões permitidos no Brasil são os
mesmos adotados pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiações Não
Ionizantes (Icnirp), normatizados em legislação federal de maio de 2009. Para a
pesquisadora, esses padrões são inadequados. “Eles foram redigidos com o olhar
da tecnologia, da eficiência e da redução de custos, e não com base em estudos
epidemiológicos”, assegura.
Segundo o professor Álvaro Augusto Almeida de Salles, da UFRGS, também não
existem pesquisas epidemiológicas que demonstrem os efeitos das ondas emitidas
por equipamentos de wireless, wi-fi e bluetooth, que irradiam em níveis mais
baixos, mas contínuos. “Somos cobaias de tecnologias que ainda não se mostraram
inócuas”, sentencia.
Adilza Dode informa que os campos eletromagnéticos interferem, também, em
equipamentos biomédicos. “Por isso, é necessário desligar o celular ao entrar em
hospitais, e não se deve, de forma alguma, instalar ERB em área hospitalar”,
adverte, ao lembrar que mesmo as pessoas que não usam celular recebem radiação
emitida, de forma contínua, pelas antenas.
Ela informa que países como
Suíça, Itália, Rússia e China adotaram padrões bem mais baixos que os permitidos
pela Icnirp. E no Brasil, o município de Porto Alegre editou lei que define
níveis de emissões de radiações similares aos da Suíça.
Em sua tese, Adilza citou diversos estudos internacionais que procuram
compreender os efeitos dos campos eletromagnéticos. Um deles, o projeto Reflex,
financiado pela União Europeia, realizado em 2004 por 12 laboratórios
especializados em sete países, afirma que a radiação eletromagnética emitida por
telefones celulares pode afetar células humanas e causar danos ao DNA, ao
alterar a função de certos genes, ativando-os ou desativando-os. Outro estudo,
realizado em Naila (Alemanha), constatou a incidência três vezes maior de câncer
em pessoas que viveram em um raio de até 400 metros das antenas de telefonia
celular.
Em Netanya, em Israel, outro estudo mostrou o aumento de 4,15 vezes na
incidência de câncer para os moradores que residiam dentro de um raio de até 350
metros das antenas de telefonia celular. Há, ainda, pesquisas que apontam riscos
maiores para crianças, devido às especificidades de seu organismo. “A penetração
das radiações eletromagnéticas no cérebro das crianças é muito maior que no dos
adultos”, destaca Adilza Dode, que já se prepara para começar nova etapa de
estudos. Seu objetivo agora é medir os níveis de exposição humana às radiações
eletromagnéticas nas residências das pessoas diagnosticadas com câncer.
Recomendações
“Não somos contra a telefonia celular, mas queremos que o Brasil adote o
princípio da precaução, até que novas descobertas científicas sejam reconhecidas
como critério para estabelecer ou modificar padrões de exposição humana à
radiação não ionizante”, diz a pesquisadora
Em um capítulo de sua tese, ela
lista uma série de recomendações. Entre elas, a de que o Brasil adote os limites
já seguidos por países como a Suíça. Sugere, ainda, que o governo não permita
transmissão de sinal de tecnologias sem fio para creches, escolas, casas de
repouso, residências e hospitais; crie infraestrutura para medir e monitorar os
campos eletromagnéticos provenientes das estações de telecomunicação e
desestimule ou proíba o uso de celulares por crianças e pré-adolescentes.
Às indústrias, a tese recomenda a produção de telefones celulares com
radiação no sentido oposto à cabeça do usuário, o investimento em pesquisa para
descobrir limites seguros e a redução dos níveis de radiação emitidos pelas
antenas. Aos usuários, Adilza sugere que não andem com celulares junto ao corpo;
adotem a prática de envio de mensagens, evitando, ao máximo, sua proximidade ao
ouvido; e afastem-se de outras pessoas ao recorrer ao aparelho. A autora
aconselha, ainda, que cada prédio tenha área reservada para uso de celular, e
que os moradores não aceitem a instalação de antenas. “Há uma crença segundo a
qual o prédio onde se encontra uma antena de celular não recebe radiação. Isso
foi desmentido por pesquisas recentes”, adverte a pesquisadora.
Tese: Mortalidade por neoplasias e telefonia celular em Belo
Horizonte, Minas Gerais
Autora: Adilza Condessa Dode
Defesa: 26 de março
de 2010,
junto ao Programa de Doutorado
em Saneamento, Meio Ambiente,
e Recursos Hídricos (Desa)
Orientadora: Mônica Maria Diniz Leão,
professora do Departamento
de Engenharia Sanitária e Ambiental,
da
Escola de Engenharia da UFMG
Co-orientadora: Waleska Teixeira Caiaffa,
professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade
de Medicina
da UFMG
Leia mais no site
www.mreengenharia.com.br
Meu comentário: Ironicamente, a reitoria da UFMG, há alguns anos, permitiu a instalação de uma baita antena dentro do próprio Campus. É uma antena disfarçada de pinheiro gigante. Coisa ridícula essa nossa sociedade que pensa no conforto e no lucro em primeiro lugar o tempo todo. Aliás, se a Igreja se manifesta sobre o assassinato dos humanos ainda não nascidos, isto é, sobre o aborto, não deveria se interessar também pelos assassinatos causados pela omissão comunitária em prol do "bom" sinal do celular?