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terça-feira, 17 de maio de 2011

O "pão nosso" no Catecismo Menor de Lutero

Retrato de Lutero, pintado por Lucas Cranach

Acho que meus professores do ensino fundamental não gostavam muito do Martinho. Apresentaram-no como um beberrão, um grosso, um padre que quis casar, um interesseiro etc. Há um fundo de verdade em todas essas acusações. Ele parece ter gostado bastante de uma cerveja (era alemão, ora!). Também não foi muito gentil algumas vezes (isso era comum em seu contexto histórico-cultural). Quis casar. É verdade. Eu também. Tinha interesses, sem dúvida. Mas quais? Se seu objetivo fosse simplesmente ter uma vida tranquila, regada a comida, bebida e tempo para estudar, ele poderia ter continuado monje e professor sem problemas, sem que ameaçassem seu pescoço.

Pois bem, não vou defender Lutero. Na verdade, nunca o vi como um homem perfeito. Além disso, não concordo com a maneira como ele escreveu algumas coisas específicas. Mas, após começar a passear por seus textos, o estimo como dono de uma mente brilhante e percebo que parte das críticas que ele recebe advém de dois fatos:

1) Muitos fazem uma leitura anacrônica de seus escritos. Ler o texto de um homem que viveu no século XVI, como se ele os tivesse escrito depois dos anos 90 do século XX é, no mínimo, um erro.

2) Muitos o criticam sem ter lido nada de sua vasta obra. Aprendi uma coisa há já algum tempo: Se você quer saber o que pensam os metodistas, leia textos escritos por metodistas, não por batistas - ainda que você seja batista. E é óbvio que os termos "metodista" e "batista" da frase anterior podem ser trocados por quaisquer outros - católicos, anglicanos, luteranos, budistas, candomblistas, nadistas (ah, não, esses não escrevem!) etc - sem prejuízo para a correção da frase. Então, quer saber o que pensava Lutero? Leia Lutero! O problema é que muitos se acham no direito de julgar sem saber.

Aqueles meus professores... É. Duvido que tenham lido um sermão, um comentário, um artigo, uma música ou qualquer parte considerável da obra do reformador alemão. Além disso, é notável que o doutor Martinho Lutero tinha ao menos uma característica que eles deveriam imitar: habilidade e disposição para o ensino. Apesar de extremamente erudito, ele conseguia ser didático e compreensível até para os mais simples. Por isso mesmo, escreveu um Catecismo Menor.

Assim, ele começa o prefácio: A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, quando também eu fui visitador, é que me obrigou e impulsou a preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela. Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias. E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para a obra do ensino.

Quase quinhentos anos e, se ele visitasse o Brasil, não encontraria um cenário menos desolador, tanto com relação às pessoas em geral, quanto com respeito a muitos pastores. Por isso, o Catecismo Menor continua pertinente. Como seria muito longo reproduzi-lo integralmente, mesmo que me limitasse à parte concernente ao Pai Nosso, cito somente um trecho, aquele que trata da quarta petição:

O pão nosso de cada dia nos dá hoje.
Que significa isso?
Resposta: Deus, na verdade, também dá o pão de cada dia sem a nossa prece, a todos os homens maus. Suplicamos, porém, nesta petição que nos faça reconhecê-lo e receber com agradecimento  pão nosso de cada dia.
Que significa o pão de cada dia?
Resposta: Tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida, como: comida, bebida, vestes, calçado, casa, lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedosa, filhos piedosos, empregados bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, leais amigos, vizinhos fiéis e coisas semelhantes.

(Fonte das citações: Catecismo Menor de Lutero, conforme publicado no Livro de Concórdia. Tradução de Arnaldo Schüler.)

P.S.: Na próxima postagem, apresentarei um interessante trecho do Catecismo Maior, também referente à petição do pão nosso de cada dia. Posteriormente, um mínimo comentário meu sobre o Pai Nosso e, a qualquer momento, uma receita de pão.

Um comentário:

  1. Gostei! Acho que devemos pinçar o que há de edificante. Não apenas negligenciar pq é antigo. Outro exemplo dramático: o DESuso que as igrejas Gospel fazem do Pai Nosso e o MALuso da igrejas tradicionais...

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